1. Já não se
duvida, sobretudo à luz da Constituição Federal de 1988, que ao Estado a ordem
jurídica abona, mais na fórmula de dever do que de direito ou faculdade, a
função de implementar a letra e o espírito das determinações legais, inclusive
contra si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do Administrador. Seria
mesmo um despropósito que o ordenamento constrangesse os particulares a cumprir
a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme a conveniência ou
oportunidade do momento, de por ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de
nela se inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la, de buscar
realizar as suas finalidades públicas ou ignorá-las em prol de interesses
outros.
2. Na sua missão
de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações, como patrono que é da preservação e restauração dos processos
ecológicos essenciais, incumbe ao Estado definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei,
vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção (Constituição Federal, art. 225, § 1º, III).
3. A criação de
Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a
claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em
nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade diretamente associada
à insustentável e veloz destruição de habitat natural , se não vier
acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua
integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica,
transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um sistema de áreas
protegidas de papel ou de fachada existirá, espaços de ninguém, onde a omissão
das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização
implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita.
4. Qualquer que
seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro
a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária
e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in
integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último
a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as
quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental.
Precedentes do STJ.
5.
Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou
por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição
Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a
responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal,
em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981,
art. 3º, IV, c/c o
art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um
standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra,
consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
6. O dever-poder
de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de
inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do
marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em
especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da
Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e
6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio
Ambiente).
7. Nos termos do
art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever-poder de implementação
os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio
Ambiente SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, além de
outros a que se confira tal atribuição.
8. Quando a
autoridade ambiental tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a
promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob
pena de co-responsabilidade (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo
acrescentado).
9. Diante de
ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do
dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador
que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao
Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas,
inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer
valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o
esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de
desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e
o esbulho ambiental-urbanístico podem e no caso do Estado, devem ser
combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, §
1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da
credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da
legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e
indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
11. O conceito
de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por
expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é,
toda e qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental (art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981, grifo adicionado).
12. Para o fim
de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual
solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria
fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem
financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.
13. A
Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da
Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu
dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou
indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu
agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o
agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e
no campo da improbidade administrativa.
14. No caso de
omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental
solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de
preferência).
15. A
responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado
integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser
convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (=
devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento
patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive
técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre,
o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da
personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).
16. Ao acautelar
a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere
entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do
Estado sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do
princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades
ambientais negativas substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a
cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente
afetado e de indenização pelos prejuízos causados.
17. Como
conseqüência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo,
cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição
inicial.
18. Recurso
Especial provido.
(REsp
1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
24/03/2009, DJe 16/12/2010)